Luciano Furtado Sampaio
Desde quando chegou da missão na África (Angola), em agosto de 2007, operada
de câncer e bem frágil, estive visitando a Ir. Ana Lucília Leite de Morais (minha
prima), na Casa Provincial das Filhas de Sant’Ana, bairro Rosarinho, em Recife, por
quatro vezes. Ia sempre com Homéria, minha esposa e sua irmã. Nas férias, Homéria
ficou com ela até a morte, com uma dedicação e amor ímpar. Também visitou-a três
vezes, a Lívia, sua irmã, de Milagres, estando também, nesses momentos finais. A
minha última visita aconteceu nas suas horas finais, ou melhor, na sua passagem para
a Casa do Pai, o Céu.
Partilho, neste escrito, os últimos momentos da Ir. Lucília conosco e sua forma
linda de se entregar nas mãos de Deus.
Nestes encontros, sentíamos, por parte da Ir. Lucília, muita vontade de viver, de
ficar boa, mas tudo indicava que havia chegado a sua hora. Estava desenganada pelos
médicos, viveria no máximo, cinco dias. Ao perceber isso, ela se colocou diante da
vontade de Deus com muita tranquilidade e esperança, entrega da vida a Deus pela
fé.
Aproximando-se de minha última ida (Fortaleza-Recife), Homéria me falou ao
telefone: “Luciano, talvez você não a encontre mais viva. Ela está piorando a cada
instante e sofrendo com muitas dores”. Cheguei no dia 21 de janeiro de 2008, à tarde
e fui direto ao seu quarto. Ao entrar, ela, bem magrinha, com 27 quilos, olhou-me e
disse: “Luciano, olha como estou!” Em seguida, como que aguardava este momento
da minha vinda (Homéria havia pedido a ela para me esperar), perguntou-me:
“Luciano, a gente pode pedir a Deus para morrer?” Entendendo a sua pergunta,
respondi-lhe com prontidão: “Sim, Lucília, pode. Você já cumpriu sua missão nesse
mundo. Resta-lhe, agora, entregar-se com toda confiança nas mãos do Pai. A morte,
Lucília, é o momento em que nós nos oferecemos a Deus com toda a nossa fé, para
que Ele realize em nós o seu desígnio de amor e nos salve. Lembre-se que São Paulo,
quando percebeu que estava próximo da morte, disse: ‘Combati o bom combate,
acabei a carreira, guardei a fé. Agora, resta-me a coroa da justiça que o Senhor, justo
juiz, me dará naquele dia” (2 Timóteo 4, 7-8). Também, Lucília, Jesus, na sua agonia
na cruz, disse, oferecendo-se ao Pai: ‘Pai, nas tuas mãos entrego o meu Espírito’. E
continuei: ‘Eu tive um amigo, Lucília, o Pe. José Alberto Castelo, que, quando bem
doente, sendo ele devoto de Santa Terezinha, passou a pedir a ela para levá-lo no seu
dia. E ele faleceu, exatamente, no dia 3 de outubro, quando comemoramos a sua festa.
Portanto, fique tranquila, Lucília, e peça a Deus a sua morte. Você já realizou sua
missão neste mundo. Antes, porém, perdoe a todas as pessoas que lhe ofenderam nesta
caminhada. Perdoe o seu pai por alguma mágoa, perdoe a sua mãe, os seus irmãos e
irmãs. Perdoe as irmãs da congregação e depois, se ofereça ao Pai como Jesus,
dizendo: ‘Pai, nas tuas mãos entrego o meu Espírito’. A partir deste momento, ela, que
já quase não falava, começou a falar alto, dizendo que perdoava a todos e a todas. E
foi se dirigindo a algumas irmãs que estavam ali ao redor do seu leito: “Irmã “Tal”
me perdoe! Ela respondia: ‘Lucilia, eu te perdoo’. Em seguida, foi clamando alto, por
várias vezes: ‘Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito’. ‘Me leva Pai!’ ‘Me leva,
Paizinho!’ ‘Mãezinha do Céu, vem me buscar’! A partir desse momento, sentíamos
nela, uma maior tranquilidade. E disse às irmãs que não estava mais com medo da
morte. Passou a noite em agonia de dor, pois os remédios não tinham mais nenhum
efeitos. E seus órgãos começaram a parar lentamente. Ela só aceitava ficar no colo de
Homéria, como uma criança no colo da mãe. Então, no dia 22, por volta das 10 horas
da manhã, agravou-se a agonia final. Homéria e eu ficamos revesando colo para ela.
E várias irmãs à sua volta, cantavam e rezavam a Deus por ela. Foi um momento lindo
de Fé. Lembrei-me naquela hora, que em uma das visitas que a fiz pela manhã, antes
da missa, ela havia acordado, e disse-me: ‘Eu queria um dia dormir e não acordar
mais, só acordar no Céu’. Então, passei a dizer-lhe bem calmamente, por várias vezes:
‘Durma Lucília, durma em paz, na paz de Deus e acorde no Céu’! E dizia mais:
‘Lucília, imagine Nossa Senhora pertinho de você. E assim como ela pegou seu filho
morto descido da cruz, ela está agora lhe pegando pela mão e levando-lhe para
juntinho de Deus. Imagine, também, o mesmo anjo Gabriel, que veio anunciar a Nossa
Senhora, que ela seria a mãe de Jesus salvador, vindo lhe buscar e levando-lhe para o
Céu. Nesse momento, Irmã Lucília fez o seu último gesto: virou o olhar para mim e
deu um pequeno sorriso, de fé e gratidão, entendi, assim. E eu lhe disse: Lucília, há o
purgatório e você já está passando por ele, por isso, você vai direto para o Céu.
Imagine, também Lucília, o coro dos anjos de Deus cantando e lhe levando para o
Céu, para o Reino de Deus, que você tanto anunciou: a maior graça de Deus para
você! Lucília, perceba, ainda, que todos os pobres com quem você trabalhou com
tanto amor, em missões evangelizadoras, os que já faleceram, estão, nesse momento,
lá no Céu, muito felizes, aguardando a sua chegada. Eles estão lhe esperando, com
louvores a Deus! Veja também, Lucília, Jesus, olhando para você com um lindo
soriso, vindo ao seu encontro e lhe acolhendo de braços abertos, com muito amor e
misericórdia. Ele já reservou um lugar para você e está vibrando feliz com a sua
chegada, porque você viveu na terra o seu Evangelho, o amor, os seus ensinamentos.
E junto de Jesus, lhe acolhem, também felizes, Sant’Ana, Nossa Senhora e Madre
Rosa, três mulheres que você tanto amou neste mundo, por terem sido para você,
testemunhas de fé e de amor, ao acolherem a missão que Deus lhes confiou. Razões
que lhe levaram a ser missionária Filha de Sant’Ana. Que alegria. Louvado seja Deus!
Vá Lucília, vá em paz! E saiba, que nós que ficamos aqui, as irmãs da congregação,
seus familiares (Homéria, Lívia e eu, estamos aqui, representando seus familiares),
vamos ficar com saudades de você, mas também nós lhe oferecemos a Deus, nesse
momento. E interceda a Deus pela congregação e por nós todos, quando estiver
juntinha Dele. Jesus disse, Lucília, você se lembra, que a semente que não morrer,
não produzirá frutos. Você, Lucília é uma boa semente. A sua morte vai produzir
muitos e bons frutos na congregação, na família e no mundo. E eu continuava falando:
Durma Lucília, durma em paz, na paz de Deus e acorde no Céu, nos braços de Deus!
Saiba, você é uma escolha amorosa de Deus! Naquele momento, sentíamos e víamos
a morte acontecendo: sumia o sangue nos seus braços e nas suas pernas: a vida saia
do corpo finito, para se plenificar ressuscitado na eternidade! “Ainda hoje, estarás
comigo no paraíso”, disse Jesus a um crucificado ao lado dele. É o prêmio, de quem
crê!
As últimas palavras da Ir. Lucília foram as do final da Ave Maria: ‘Agora e na hora
de nossa morte. Amém’. Morreu consciente. Quando senti que ela estava no seu
momento final, eram 14h., pedi às irmãs, como padre casado, os Santos óleos e
ministrei-lhe a unção dos enfermos e a absolvição dos pecados. E foi impressionante
que, ao concluir a bênção penitencial (perdão dos pecados), ela deu o seu último
suspiro, acordando na Plenitude da Vida, no Reino de Deus, no Céu, que ela tanto
acreditou, desejou e esperou. Aconteceu! Portanto, ela faleceu e ressuscitou (a fé nos
faz acreditar), no dia 22 de janeiro de 2008. Celebramos os santos, no dia da sua
morte!
Ir. Lucília é hoje, para mim, a Santa das minhas solicitações a Deus. Nestes
momentos finais, a Homéria também pediu a ela: ‘Lucília, quando você estiver lá
juntinho de Deus, interceda a Ele por nós e por toda a nossa família’. No silêncio, ela
guardou isso no seu amoroso coração.
Concluo, dizendo que a Ir. Lucília, pelo que vivenciamos com ela, sentiu-se, nos
momentos finais da vida, muito amada pelas irmãs Filhas de Sant’Ana, que
constantemente rezavam e cantavam a Deus por ela, pelos familiares e, sobretudo, por
Deus, por quem ela se apaixonou, amou e deu a sua vida, na congregação e no amor
aos mais pobres, os prediletos de Deus neste mundo.
Escrito em 26 de janeiro de 2008
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